“— Vosmecê deixa-me sentar? — perguntou Bia com um sorriso. Estava bonita a gaiata, peito saliente, pernas esguias, cabelo preto muito denso, meio ao vento, olhar profundo, lábios carnudos, pescoço torneado, pequenos brincos. Já com cerca de um metro e sessenta, era um mimo de rapariga, já tinha “os sangues” havia mais dum ano. Sentou-se junto do pai.
— Gostei do senhor meu pai, todos perceberam que vão ter comida.
— Isto está uma complicação, como na batalha, temos de defender os soldados, estudar o inimigo, como dizia o marechal Josef Joffre. — refere o antigo combatente.
— Explique lá para eu entender.
— Já és mulher, minha única filha, ouve, tenho de vender tudo o que sobra, ao governo, dou ao manifesto e recebo o que entendem. As pessoas para comerem vão comprar, se houver, muito caro. Eu perco, os trabalhadores têm fome, ninguém anda satisfeito, não devem trabalhar com fome.
— Então Vosmecê dá, mas é uma forma de vender, eles pagam a trabalhar mais e de vontade.
— Uma forma de ver, muito simples, tenho de dar ao manifesto o que sobra, sobra pouco, o governo leva pouco, os trabalhadores com a barriga cheia.”
[…]
“— Vosmecê, não está com ninguém?
— Estou com os meus nas trincheiras!”
António Brutos Medronho, nome literário de António Dâmaso.
Advogado criminal, em Lisboa é formador, leitor beta, poeta de rua e ficcionista.
Tem várias publicações em redes sociais, panfletos e concursos literários.
Participou na Antologia de poesia portuguesa contemporânea, volume XVI — “Entre o sono e o sonho” e na Coletânea de Contos de Natal, vol. III — “Natal em palavras”. Conta ainda com a publicação da obra “Portugal em 2050 Morte duma Sereia” na Chiado Books.